quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Lembranças de um rato

Bruna Carolli

Era uma vez um quadrinho sobre o holocausto. Na verdade, não era apenas isso. Era um quadrinho sobre o holocausto ganhador de um dos mais importantes prêmios de literatura, o Pulitzer. Talvez, essa seja a melhor introdução para se ter idéia do que está por vir. “Maus”, obra criada por Art Spiegelman, narra a história do pai de seu próprio autor, Vladek, um judeu sobrevivente de Auschwitz, grupo de campos de concentração construídos sob comando nazista. A partir de relatos e uma série de entrevistas feitas por Art a seu pai, temos de maneira direta e sem floreios a história de quem viveu um fato histórico mundial.

“Maus” reconta a história dos judeus dentro desse episódio de horror. É um panorama de como era a vida antes da ocupação nazista, como ela se tornou (im)possível durante esse tempo de atrocidades e como essa experiência marcou os anos que se seguiram aos sobreviventes e familiares. É uma trama pessoal, sem dúvida. O filho escuta a história sobre seus pais, sobre o irmão que nunca conheceu, sobre como ele simplesmente poderia nem ter nascido. A beleza disso tudo está na maneira corajosa de encarar os fatos. Art poderia ter escutado seu pai e simplesmente ignorado os defeitos e preconceitos que surgiam daquela narração de vida. Mas não o fez. Mostra um judeu sobrevivente a campos de concentração, mas que não aceita negros, é sovinha e reclamão. Mostra a própria dificuldade em lidar com um pai que era distante, em lidar com o próprio passado repleto de dores e perdas – entre elas o suicídio da mãe. Ponto para Art e sua maneira sincera de respeitar e encarar qualidades e defeitos de cada personagem.

Como se não bastasse a maturidade no roteiro, Art Spiegelman metaforiza as relações de poder entre judeus, poloneses e alemães com animais. Os alemães se tornaram gatos, os poloneses porcos e os judeus maus (maus significa ratos em alemão). Ratos que se escondem atrás de máscaras de porcos e do que mais conseguirem para sobreviverem dentro dessa “cadeia alimentar”. O quadrinho é contado em flash-back a partir das lembranças de Vladek entrecortado pelos acontecimentos da vida presente, como a descrição de cada visita do filho ou dos desentendimentos entre Vladek e sua atual esposa, Mala. “Maus” é um excelente quadrinho sobre a humanidade de um ser capaz de se fazer reconhecer em uma humanidade de gerações.

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